2008/01/29

A interactividade e a experiência estética

A interactividade relaciona-se com um tipo de arte que procura a experiência do corpo.
Um interface é um dispositivo construído para provocar sensações e conflituar ao nível das percepções e representações a elas associadas.
O interface afecta o corpo, interpela o espectador através do corpo, o que conduz a uma experiência perceptiva diferente.
Neste tipo de experiência estética os olhos perdem a sua posição primeira na organização do mundo. Os olhos servem para monitorar e têm que comunicar com as mãos que activam a experiência.
Esta percepção mais próxima dos elementos sensoriais que a constituem do que da componente cultural, pode ser, precisamente, o que está em jogo na interactividade e que consitui o novo campo da arte: a imediatez da experiência e a preponderância dos elementos sensoriais.
O movimento histórico do pensamento tendeu para a separação do corpo e da alma, e para o domar do primeiro pela segunda. Embora se possa ver as novas tecnologias como mais um instrumento nessa direcção – pense-se, por exemplo na comunicação desencarnada mediada por computador, ou seja, realizada sem interacção física - ela tem sido usada na arte para a criação de espaços de produção e circulação de sensações e afecções (na música, por exemplo, os bits são convertidos em beats). Ou seja, o espaço das novas tecnologias é também o espaço do corpo.
Portanto, a técnica pode potenciar a expressão da vida afectada pela experiência sensível o que é relevante para a estética. Estética não enquanto teoria da arte mas segundo a sua outra ambição: a compreensão da experiência a partir da sensibilidade.
Mas, incidindo sobre as sensações, pode pensar-se que se fica por um plano menos interessante, em termos artísticos. O plano do prazer sensorial, das afecções ou inclinações. Um plano natural em vez de cultural. O plano do sentir versus o plano do sentido do sentir ou da criação de sentido. No entanto, estes dois planos podem ser aliados.


O projecto AVA: o AVATAR, a instalação vídeo e a interactividade.

O avatar no imaginário do jogo apresenta-se como um duplo. O sujeito está duplicado. É ele e o seu espectador. Esta mistura de posições transforma ambos os planos.
Esta relação não é transparente e é instável. Mantém-se sempre uma heterogeneidade essencial entre o jogador e o seu outro eu - embora a pressuposição ou a ilusão da homogeneidade entre os dois seja necessária para o sentido de imersão.
O AVATAR faz o duplo papel do eu e do outro. Do eu porque é controlado e por isso igual a quem controla, do outro porque o eu nesse controle se projecta idealmente naquilo que pode ser.
Portanto, se o avatar é um reflexo, é um reflexo imaginário que se persegue e que não retribui mimeticamente uma imagem no espelho. Enquanto espectador o sujeito vê e relaciona-se com uma imagem de si.
No cinema também existem processos de identificação em jogo. O espectador identifica-se com uma imagem ou com pontos de vista – o da câmara, o das personagens – que passam a ser a sua presença no filme. Uma presença implícita, a de um observador ausente constantemente reposicionado nos seus duplos, nas suas personagens.
É este espectador implícito que é concretizado pela figura do avatar no jogo, um espectador que se torna presente e que escolhe o que quer ver.

Com o projecto AVA pretendemos a criação de uma personagem, o AVATAR de um colectivo, onde se mantém a ilusão da sua existência concreta, misturando o registo documental da sua existência material com o performativo e com o virtual.
A sua imagem remete para um universo ficcional identificado que induz um sistema de significados mas que foram propositadamente baralhados complexificando a percepção da sua identidade, criando conflitos nos esquemas perceptivos que conduzem a essa identificação.
No filme AVA V entram em consideração os tipos de presença ou de identificação do espectador com AVA consoante o ponto de vista veículado pelos diferentes planos. Por exemplo, o plano subjectivo intensifica a dissolução do espectador na personagem AVA, aumentado a ideia de participação e de identificação porque existe a sugestão de partilha de posições de acesso à realidade. No entanto, deixa de fora outros aspectos da realidade já que todos os pontos de vista são parciais.
Essa realidade é a mesma em todos os planos, com o mesmo tempo. No projecto de instalação vídeo, o espectador teria oportunidade de escolher um dos planos o que implicaria a perda de acesso aos restantes. Ao assumir-se o controlo da personagem perde-se o acesso a outros pontos de vista. Portanto, o espectador anda em redor de AVA, mantendo esta sempre a sua independência e autonomia. Como para a estátua, o vaivém do espectador é indiferente.
Por outro lado, quebram-se os códigos da ilusão. AVA olha para o seu espectador e invade o seu espaço e a sua invisibilidade. Mas o que vê no lugar do espectador é uma parte da sua identidade, que se duplica, que se lhe torna exterior.

Quanto ao projecto AVA LAPTOP a sua adaptação ao projecto de instalação passaria por uma performance feita em frente a uma projecção de vídeo. Um projector ligado a um portátil que contém uma série de filmes prontos a serem projectados no ecrã que se encontra em frente ao “avatar”. Esses filmes são registos filmados/pré-gravados de outras performances que a personagem já terá feito noutros locais. As projecções vídeo vão incidir no ecrã à escala natural, permitindo a sugestão de uma imagem num espelho. O “avatar” em frente à projecção vai tentar imitar/interagir com a performance visionada. A performance ao vivo do “avatar” poderia pressupor uma interactividade da Ava com os vídeos projectados. Ou seja, poderia haver uma articulação entre uma qualquer coreografia e sensores que pudesse desencadear um visionamento aleatório dos ditos vídeos. Isto é, o “avatar” não terá um completo controlo sobre aquilo que vai tentar imitar e tudo isto resultará da interactividade entre o seu corpo e máquina. As performances pré-gravadas poderão ser diversas situações do quotidiano, como por exemplo andar na rua, almoçar, cozinhar, dormir, conversar com outras pessoas. Uma imitação ao vivo de uma representação. O vídeo comanda (parcialmente) a actuação do performer.

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