2007/12/12

AVA - seis autores à procura de uma personagem - 12.11.07

O presente projecto de instalação assenta em dois conceitos fundamentais, a saber: a caracterização e a representação de uma personagem, ou de uma identidade. Esta identidade é pensada e idealizada pelos seis intervenientes no projecto ou, se quisermos, seis autores. Cada um destes autores vai contribuir para a construção dessa personagem, participando cada um deles com ideias ou conceitos criativos. Podemos aludir ao papel do encenador no teatro ou do realizador no cinema. Cada um imaginará situações ou acções específicas para essa identidade, a unidade da personagem assenta na multiplicidade de “actos criativos”. A instalação será o espaço de encontro entre as diversas representações que este corpo materializará. A identidade da personagem surgirá da confluência crítica e criativa das seis pessoas envolvidas. Todo o trabalho criativo e cooperativo da equipa levanta um problema desde há muito discutido, o problema do papel do autor. Quem é que dá voz? Toda a equipa? A personagem? Ou todo um contexto cultural e social?
Com o modernismo a marca autoral foi a pouco e pouco sofrendo mutações. A noção de inconsciente de Freud e a desmultiplicação do Eu, os heterónimos, a ideia de poesia comunitária com o automatismo da escrita surrealista alargaram ainda mais a concepção de criador artístico. A noção de autor veio deste modo acompanhando as oscilações das vanguardas e caminhando para um autor enquanto produto de um determinado contexto social e cultural. Para Michel Foucault "o autor" funciona como uma articulação ou um princípio que veicula uma livre circulação, manipulação de signos e de discursos, o sujeito autor torna-se produto do discurso histórico em que vive.
“[Pode-se imaginar uma cultura em que os discursos circulassem e fossem aceites sem que a função autor jamais aparecesse. Todos os discursos, sejam quais forem o seu status, a sua forma, o seu valor e seja qual for o tratamento que se dê a eles, desenvolviam-se no murmúrio. Não mais se ouviram as questões por tanto tempo repetidas: “Quem realmente falou? Foi ele e mais ninguém? Com que autenticidade ou originalidade? E o que é que ele expressou de mais profundo dele mesmo no seu discurso?” (…) “Quais são os modos de existência desses discursos? Quais são os locais que foram ali preparados para possíveis sujeitos? Quem pode preencher as diversas funções do sujeito?”(…) “Que importa quem fala?" MichelFoucault.
Partimos então de uma personagem, ou dirigimo-nos a ela (é uma questão de perspectiva) em autoria partilhada.
Como representar esta personagem?
Um dos autores empresta-lhe o corpo. E todos criam representações. A personagem - AVA - vai-se materializar a partir dessas representações. Por sua vez, essas representações concretizar-se-ão numa instalação, que cruzará várias linguagens (vídeo digital, fotografia, performance ao vivo). Resultado que será necessariamente um híbrido instalado num espaço físico ou, se quisermos, um project-room.
Escolhemos o conceito de Representação como temática aberta para explorarmos neste projecto. A personagem será caracterizada pelas representações que os autores lhe darão, a sua identidade resultará dessa mistura. Cada representação estabelece uma hipótese ou uma situação ficcional. Cada autor concebe parte(s) do todo da ficção ou do universo da personagem. A instalação vai estabelecer uma ficção, dividida em diferentes situações. O todo da ficção ainda não está completamente desenhado. Algumas propostas já foram lançadas. Outras surgirão. Todas elas em "work in progress". Como em qualquer exposição todas as situações só estarão completas quando a instalação for montada. O colectivo dos autores propõe-se à concretização física do Project Room. As várias situações funcionarão como uma - o todo da instalação. O todo é sempre maior que a soma das partes.
Das propostas lançadas destacamos as seguintes:



Uma primeira possibilidade será uma performance feita em frente a uma projecção de vídeo. Um projector ligado a um portátil que contém uma série de filmes prontos a serem projectados no ecrã que se encontra em frente ao “avatar”. Esses filmes são registos filmados/pré-gravados de outras performances que a personagem já terá feito noutros locais. As projecções vídeo vão incidir no ecrã à escala natural, permitindo a sugestão de uma imagem num espelho. O “avatar” em frente à projecção vai tentar imitar/interagir com a performance visionada. A performance ao vivo do “avatar” poderia pressupor uma interactividade da Ava com os vídeos projectados. Ou seja, poderia haver uma articulação entre uma qualquer coreografia e sensores que pudesse desencadear um visionamento aleatório dos ditos vídeos. Isto é, o “avatar” não terá um completo controlo sobre aquilo que vai tentar imitar e tudo isto resultará da interactividade entre o seu corpo e máquina. As performances pré-gravadas poderão ser diversas situações do quotidiano, como por exemplo andar na rua, almoçar, cozinhar, dormir, conversar com outras pessoas. Uma imitação ao vivo de uma representação. O vídeo comanda (parcialmente) a actuação do performer.
Uma segunda possibilidade é a seguinte:
Ava é filmada de diferentes perspectivas (plano subjectivo, plano sequência), sendo a realidade a mesma; isto instaura diferentes regimes de percepção para o espectador e, assim, diferentes vias de acesso ao seu mundo.
Ava tanto é estimulada pelo que percepciona como essa vida percepcionada é já estimulo para o espectador.
A passagem entre as diferentes perspectivas é feita interactivamente.
Outra proposta é a de trabalhar a voz de Ava em áudio, a partir do registo da voz do autor que empresta o corpo ao avatar. Pretende-se brincar com os possíveis registos de timbre e de intenção, bem como com a criação anímica de uma personagem a partir da sua voz (aqui construída).
Queremos experimentar nos cruzamentos de linguagens diversas, construindo e registando todo o processo de construção de Ava.
A personagem responderá sempre aos desafios propostos pelos vários autores e só existirá enquanto personagem comandada a seis vozes, vivendo os guiões definidos pelos autores.

Bibliografia:
Barthes, Roland. The death of the author, http://www.ubu.com/aspen5and6/threeEssays.html, our of November, 2007.
Benjamin, Walter. O autor como produtor in Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política, Relógio d'Água, 1992.
Goffman, Erving. A apresentação do deu na vida de todos os dias. Relógio d'Água, 1993.
Mota, Manoel Barros da. Ditos e Escritos III, Michel Foucault Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema, Foense Univsersitária, 201, pp. 264-298.
Oliveira, Carlos de. Finisterra - Paisagem e Povoamento. Sá da Costa Editora, 1978.
Paul, Christiane. Digital Art. Thames & Hudson, World of Art, 2003.
Pirandello, Luigi. Six characters in search of a author in Eight Modern Plays. A Norton Critical Edition, 1991.
Vergine, Lea. Body Art & Performance. The Body as Language. Skira Editore, 2000.

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